“O Lugre”, a peça de teatro, estreou-se em 1959, no Teatro Nacional D. Maria II, com encenação de Pedro Lemos, cenário de Lucien Donat e Jorge Brandeiro, inaugurando a temporada de 1959/60; era o tempo da Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro. E era o ano em que foi publicado “Nos Mares do Fim do Mundo”. Muitas das cenas da peça parecem vir diretamente das memórias, tal como Santareno as escreveu. “O Lugre” é, contudo, um monumento dramático-teatral infinitamente mais violento. Lá estão algumas descrições extraordinárias, nomeadamente sobre sonhos e sobre o fundo do mar; lá está um lirismo intenso; lá estão, também, paixões em conflitos extraordinariamente violentos. E lá estão, também, omnipresentes, a morte e o mar. E o medo. Aliás, violência, medo e morte são, eventualmente, as linhas fundamentais desta peça, que é um texto magnífico, mesmo que só à leitura, e na qual o mar funciona não apenas como referência direta, mas também como elemento simbólico, que envolve e corporiza as linhas temáticas fundamentais do drama — ou da tragédia. Como escreveu Urbano Tavares Rodrigues, à data da estreia, os homens de “O Lugre” (não há mulheres) são “bárbaros, supersticiosos e simples como crianças ou como feras”; a linguagem é “certa, popular, exata, colorida, brutal e docemente castiça”. Seria difícil dizer melhor, com maior precisão e exatidão. Fernanda Lapa (1943-2020), atriz, encenadora e cofundadora da Escola de Mulheres — Oficina de Teatro, que conheceu Bernardo Santareno e por ele nutria grande admiração e amizade, fez o convite ao Teatro da Terra e a Maria João Luís para encenarem uma peça daquele autor, assinalando, em 2020, o centenário do seu nascimento. A morte (mais uma vez) não permitiu que Fernanda Lapa visse concretizado o seu desejo; mas a escolha recaiu sobre “O Lugre”, e depois dos atrasos que a vida, um pouco por todo o mundo, sofreu com a pandemia que teima em não desaparecer, o espetáculo aqui está, para um curto número de representações. (...)».
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